Autora sul-coreana concedeu entrevista ao Sarangbang
Juhea Kim nasceu em Incheon, na Coreia do Sul, e se mudou para os Estados Unidos aos nove anos de idade. A autora por trás do best-seller internacional Como Tigres na Neve — publicado no Brasil em 2022 pela editora Melhoramentos — se formou na Universidade de Princeton e construiu uma carreira com trabalhos publicados em importantes veículos.
Como Tigres na Neve é seu romance de estreia, sendo aclamado como o melhor livro de 2021 por diversas publicações e altamente indicado por veículos como Buzzfeed, Fortune, The Washington Post, USA Today, Goodreads, Amazon, Entertainment Weekly, E! Online, Ms. Magazine, Vulture e Lit Hub.
A obra acompanha os destinos entrelaçados de uma jovem vendida para uma escola de cortesãs e o filho pobre de um caçador. Foi finalista do Prêmio Literário da Paz de Dayton em 2022 e recentemente ganhou o Prêmio Yasnaya Polyana, o maior prêmio literário anual da Rússia.
Além de escrever ficção, Juhea também trabalha com ensaios e jornalismo narrativo com foco no meio ambiente. Parte dos lucros de Como Tigres na Neve, inclusive, é revertida para preservação de tigres siberianos e leopardos.
Em entrevista exclusiva ao Sarangbang, a artista falou sobre o livro, suas referências e inspirações, ativismo e um pouco sobre seu livro mais recente, City of Night Birds (Cidade dos Pássaros Noturnos, em tradução literal).
Leia abaixo na íntegra:
Sarangbang (SB): Como Tigres na Neve foi traduzido para diversas línguas, incluindo português e coreano. Há algum momento ou aspecto em específico, na forma como os leitores interpretaram e receberam o livro, que mais te surpreendeu?
Juhea Kim (JK): Nunca poderia imaginar que leitores de diferentes países reagiriam de forma tão pessoal e apaixonada ao meu livro. Um leitor brasileiro me disse que foi muito inspirador ler Como Tigres na Neve enquanto o Brasil, assim como o resto do mundo, luta contra um conservadorismo crescente. Ouvi coisas semelhantes de leitores de outros países; também me pergunto se isso explica em partes por que o livro foi tão bem recebido na Rússia. A reação na Coreia também me pegou completamente de surpresa. Primeiro, escrevi o romance com um vago receio de que os coreanos que residem na Coreia do Sul achassem que eu ou o livro fossemos “americanos demais”. Mas eles abraçaram profundamente o livro desde seu lançamento, incluindo muitos idosos que viveram durante a ocupação japonesa (mais recentemente, um senhor de 96 anos, presidente de um Comitê de Comemoração do Movimento do 1° de março, me enviou uma adorável mensagem dizendo que era meu fã). O livro foi elogiado como o sucessor literário de obras-primas do século XX como Land (Pak Kyongni) e Arrange (Jo Jung-rae). Isso foi extremamente encorajador, porque sempre me vi sendo influenciada pela literatura coreana e russa, e escrevendo para leitores do mundo inteiro; não me via como uma autora americana escrevendo um livro americano para leitores americanos, tanto em termos do meu estilo literário quanto na filosofia por trás da escrita. E, sim, consegui entrar no mercado editorial americano, mas ninguém me disse que eu estava seguindo os passos de Mark Twain, Ernest Hemingway ou F. Scott Fitzgerald (e, para ser bem clara, realmente não estou). Por isso, a recepção coreana me fez aceitar a mim mesma com absoluta confiança. E o impacto do livro continua crescendo a cada dia. Quando o antigo Presidente Yoon declarou a lei marcial, e as pessoas saíram à rua para protestos não-violentos, muitas levaram consigo os seus exemplares de Como Tigres na Neve. Não consigo encontrar palavras para descrever a honra que é ver o meu livro dando esperança e coragem a pessoas do mundo todo na luta contra a opressão.
SB: A edição coreana parece ter tido bastante sucesso, especialmente com a notícia da venda dos direitos para uma adaptação. Pode nos contar mais sobre essa experiência?
JK: Devo dizer que, independentemente do canal ou do país, sempre me perguntam sobre a adaptação. Isso só pode ser um sinal de antecipação e animação positiva, por isso fico extremamente grata. Já recebi propostas de quatro produtoras. Escolhi uma empresa com base na forma como o produtor descreveu uma nova produção de As Bodas de Fígaro em Salzburgo – percebi que ele tinha o tipo de criatividade e profundidade necessárias para trazer uma nova dimensão ao mundo do livro. Se o mundo de Como Tigres na Neve é uma casa, então esta adaptação deve abrir novas portas para novos cômodos; é uma nova obra de arte que segue a integridade estabelecida pelo livro.
SB: Você mencionou anteriormente que esteve presente na Coreia durante as filmagens. Como foi ver o seu romance ser adaptado a um K-drama?
JK: Sinceramente, gostaria de ter mais notícias para revelar! Neste momento, tudo o que posso dizer é que o elenco é composto de muitos atores e atrizes famosos e conhecidos no universo dos K-dramas. O maior desafio é, sem sombra de dúvidas, a agenda e o elenco, porque todas essas celebridades já têm os próximos 4-5 anos reservados com outras gravações, e é difícil reunir e segurar um grupo com todas elas durante meses.

Prêmio russo
SB: Você recebeu recentemente o Prêmio Literário Yasnaya Polyana 2024 de Literatura Estrangeira. O que significa para você ser reconhecida na Rússia, especialmente como autora estreante?
JK: Todos os autores têm sonhos, ou um marco pelo qual medem o seu sucesso. Para mim, o Prémio Yasnaya Polyana foi o auge, porque sempre me inspirei e bebi da fonte da literatura russa, em particular Liev Tolstói. Na verdade, aprendi a escrever transcrevendo passagens do meu surrado exemplar de Anna Karenina. Tolstói era também um pacifista e um vegetariano, muito à frente do seu tempo. Por isso, ser reconhecida como continuadora do seu legado literário e humanitário pelos seus descendentes e sucessores intelectuais foi uma honra para toda a vida. Ser autor envolve muita rejeição, incerteza, perda de controle; e é muito cansativo, mentalmente, espiritualmente e fisicamente. Mas Yasnaya Polyana me deu uma confiança e cura que vão durar a minha vida inteira.
SB: Como foi a experiência de participar da cerimônia de entrega do prêmio e de interagir com os leitores russos?
JK: Eu sabia que a cerimônia de entrega do prêmio receberia muita atenção por parte da mídia, e isso exigiu tudo de mim para me apresentar corretamente e falar sobre literatura, arte e o mundo em geral. Tinha plena consciência de que estava acontecendo uma guerra e que o que eu dissesse, como eu me vestisse, tudo seria analisado detalhadamente – mas eu também tinha a oportunidade de fazer o que era certo… Sempre acreditei em ser uma ponte e em juntar as pessoas; os civis não são os governos que os regem. Por isso, cheguei ao Teatro Bolshoi com o meu tradutor Kirill, e eles nos conduziram numa visita ultra privada para que os outros convidados não me vissem e nem percebessem que eu era simplesmente “a vencedora da categoria de Literatura Estrangeira”. Foi ainda mais surreal porque eu recentemente havia escrito City of Night Birds, que em grande parte se passa no Bolshoi. Depois da cerimônia (que correu bem, apesar do meu nervosismo), houve alguns eventos para leitores. Foi impressionante chegar ao evento em Petersburgo, onde pelo menos três pessoas vieram de Moscou para me conhecer. Além disso, havia muitos leitores russos que estavam aprendendo coreano e que eram muito apaixonados pela cultura coreana – tal como vocês, podcasters e ouvintes do Sarangbang!
Recepção brasileira
SB: A edição em português de Beasts of a Little Land, Como Tigres na Neve, encontrou um público caloroso no Brasil. Ficou surpreendida com a reação dos leitores brasileiros?
JK: Sem dúvida! O entusiasmo dos leitores brasileiros me pegou de surpresa. Até onde sei, a editora não fez muita publicidade do livro [no país]. Na verdade, uma vez me pediram para gravar um vídeo para que pudessem publicar no Instagram deles, e eu passei bastante tempo fazendo-o, mas por algum motivo nunca chegaram a postar! É incrível ver como o livro encontrou seus leitores de forma orgânica, e em grande parte graças ao Sarangbang.
SB: Recentemente, você mencionou no Instagram que está considerando aprender português para se conectar com os fãs daqui. É algo que está pensando seriamente em fazer, ou foi mais um pensamento passageiro?
JK: Penso que eu poderia aprender algumas frases de conversação para poder cumprimentar os fãs brasileiros. No entanto, aprender português a sério exigiria muito mais tempo e energia do que aqueles de que disponho atualmente. Sendo sincera, eu não tenho o dom de adquirir facilmente línguas estrangeiras. Levei alguns anos para me tornar fluente em inglês (me mudei para os EUA aos 9 anos), e sou proficiente – mas não fluente – em francês, que estudei na universidade. Mas, se eu tiver a oportunidade de visitar o Brasil, eu com certeza faria algumas aulas para poder cumprimentar os leitores em português.
SB: Tem planos para visitar o Brasil num futuro próximo? Recebeu algum convite para festivais ou eventos literários aqui?
JK: Ai, meu Deus! Fiz uma palestra online para um Simpósio co-organizado pela Universidade de São Paulo e pelo Centro Cultural Coreano, em 2023, e foi maravilhoso. Mas, de todos os lugares distantes para onde viajo a trabalho (este ano, incluindo Suécia, Indonésia e várias vezes a Seul, é claro), ainda não fui convidada por nenhum festival literário no Brasil. Gostaria muito de ir em algum momento no futuro.
Novo livro – City of Night Birds
SB: Seu novo livro, City of Night Birds, é muito aguardado por aqui. Já existe algum plano para a sua tradução e lançamento no Brasil?
JK: Até o momento, City of Night Birds foi publicado ou vai ser publicado no Reino Unido, na Rússia, Coreia do Sul e Itália! Como vocês bem sabem, Como Tigres na Neve, foi um sucesso em muitos países, e recebi respostas de editoras internacionais de que não queriam arriscar num romance sobre ballet russo, dado o atual clima político tenso envolvendo o país. Achei isso um pouco frustrante, porque o romance é exatamente sobre a luta pela prática da arte num mundo dividido, a integridade artística e o desejo de paz. Honestamente, ouvi preocupações semelhantes por parte da minha editora americana; e o primeiro mês após a publicação foi muito difícil para mim, porque alguns usuários online ucranianos (que claramente nunca tinham lido o livro) me atacaram, alegando que eu escrevi “um livro pró-Rússia”. Em primeiro lugar, o ballet é uma forma de arte universal. Em segundo lugar, e ironicamente, publicar City of Night Birds na Rússia representa um risco significativo para mim e para os meus colegas editores – penso que isso é suficiente para explicar a posição que o livro assume na política internacional do momento. Mas o que aconteceu foi que, passados alguns meses, estes ataques online se dissiparam e o livro foi lido e apreciado pelos amantes da dança e da literatura, que era o que eu esperava que acontecesse. Pelo menos nos Estados Unidos, sinto que o livro encontrou os seus primeiros fãs, que o defenderão. Com o tempo, acredito que isso vá acontecer em todo o mundo, e as editoras estrangeiras se sentirão mais seguras. O Brasil é um dos melhores países de ballet do mundo, tendo produzido estrelas internacionais como Marcelo Gomes; é também o único país fora da Rússia que tem uma Academia Bolshoi. Espero que City of Night Birds também voe para o Brasil em breve.
SB: Como Tigres na Neve e City of Night Birds são dois romances muito diferentes – um com raízes no passado colonial da Coreia, o outro imerso no mundo contemporâneo do ballet russo e da redenção pessoal. No entanto, ambos parecem ter origem naquilo a que chamou de um “sentimento de coração partido”, uma realização emocional profunda que impulsiona a sua narrativa. Para os leitores que se apaixonaram por Tigres, o que faz de City of Night Birds uma próxima leitura essencial?
JK: Os dois livros parecem diferentes à primeira vista, mas, para mim, eles e os meus livros subsequentes partilham todos uma [mesma] linha condutora. Como Tigres na Neve é sobre a minha herança; City of Night Birds é sobre arte; a minha próxima coleção de contos (publicação nos EUA e no Reino Unido para 25 de novembro de 2025), A Love Story from the End of the World, é sobre natureza; e, finalmente, o próximo romance The Divine Comedy (sob contrato, a ser publicado em 2028), é sobre a minha fé. Herança, arte, natureza e fé – esses são os temas mais essenciais para a minha alma. Penso muito não apenas num único livro, mas na minha obra, para que, num futuro distante, os leitores possam experimentar todos os meus livros como parte de uma declaração artística particular e completa. Mas a um nível mais do “agora”, City of Night Birds também está repleto de — e é impulsionado por — aquilo que tão elegantemente vocês formularam como uma “realização emocional profunda”. Os leitores de Como Tigres na Neve ficarão admirados com o fato de que Cidade dos Pássaros Noturnos também é um cri-de-coeur* profundamente sincero e apaixonado, que os levará a acreditar na beleza e no significado da vida.
*Cri-de-coeur: Expressão francesa que significa literalmente “grito do coração” e é usada para descrever um apelo emocional intenso, um grito de sofrimento, alegria ou indignação.
Processo criativo
SB: Como é o seu processo de escrita? Você por acaso mantém diários, cadernos ou outras formas de registo criativo enquanto trabalha nos seus romances?
JK: A primeira e mais importante coisa para mim é a inspiração. Normalmente, é um período de um ou dois dias em que sinto ou, por vezes, “vejo” o que vai acontecer na história. É uma sensação desconfortável, como se estivesse bebendo, mesmo que de ressaca, e com uma febre forte ao mesmo tempo; mas este é o momento em que se deve pegar gotas de chuva no deserto, então você recebe e não questiona o desconforto. Também sei, durante este tempo, mais ou menos o efeito estético e emocional que quero transmitir através da história, e na maioria das vezes identifico está parte ouvindo um pouco de música. Outras vezes é através de uma dança, ou uma pintura. Quando tenho essas peças prontas, a parte da escrita propriamente dita acontece com uma sensação de certeza. Escrevo relativamente devagar, mas sem qualquer ansiedade de não saber o que dizer a seguir. Nos meus romances, escrevo sempre da primeira à última página, e sei sempre o que vai acontecer no final, por isso, quando chego às últimas 100-200 páginas, sinto como se estivesse entrando no estádio depois de correr uma maratona. Tomo notas no meu Mac e, por vezes, num caderno (especialmente nas fases iniciais). Tenho uma playlist no Spotify que ouço repetidamente enquanto estou trabalhando num determinado livro.
SB: Quais escritores ou livros mais influenciaram a sua voz enquanto romancista?
JK: Esta é fácil, Liev Tolstói! Também fui muito influenciada por Kafka e Maupassant, e pelos autores coreanos Choi In-ho (um escritor católico como eu, a sua fé e compaixão brilham através da sua prosa) e Park Wan-suh (cujo romance de 1977 휘청거리는 오후 me ensinou a escrever uma história de múltiplos pontos de vista em 3ª pessoa?)
SB: Enquanto escritora coreana que cresceu nos Estados Unidos, como é que a sua identidade é abordada no seu trabalho? E como autora gyopo, como foi recebida na Coreia do Sul?
JK: Conheço muitos escritores e artistas que se debatem com suas identidades, que muitas vezes elas se tornam um tema importante em seus trabalhos. Tenho o cuidado de dizer isto porque tenho amigos assim, especialmente coreanos-americanos de segunda geração ou adotados, e não quero parecer indiferente ou negar suas experiências — mas, para mim, identidade não é uma questão. O racismo na América *foi* algo que sofri, mas isso não é igual a lutas de identidade. E isto porque sempre me considerei coreana, não coreana-americana ou americana. Nos meus valores, na minha arte, na minha história pessoal e coletiva, no meu nome Juhea Kim, na minha aparência, sou coreana. (Os Estados Unidos deram-me muitas oportunidades, pelas quais sou grata, mas ninguém lá diz sobre mim: “ela parece americana”). O que é conveniente, porque agora estou vivendo em Londres; e não tenho qualquer confusão sobre se sou coreana-americana-britânica, me sinto única e completa, independente do lugar onde vivo. Como artista, ter uma base sólida me permitiu eu me sentir livre para perseguir a minha paixão interior ao invés de me preocupar com um alvo em constante movimento: “Será que isto vai agradar aos brancos americanos? Será que isso vai me ajudar a ser reconhecida pelos que detêm o poder?” E é o amor fervoroso dos leitores de todo o mundo (incluindo os sul-coreanos) que me dá ainda mais confiança para contrariar estas pressões que ainda governam as publicações americanas: escrever como um escritor americano branco, ou para um leitor americano branco. Para uma artista não branca, penso que isto é de fato uma bênção única.

SB: Enquanto escritora coreana que cresceu nos Estados Unidos, como é que a sua identidade é abordada no seu trabalho? E como autora gyopo, como foi recebida na Coreia do Sul?
JK: Conheço muitos escritores e artistas que se debatem com suas identidades, que muitas vezes elas se tornam um tema importante em seus trabalhos. Tenho o cuidado de dizer isto porque tenho amigos assim, especialmente coreanos-americanos de segunda geração ou adotados, e não quero parecer indiferente ou negar suas experiências — mas, para mim, identidade não é uma questão. O racismo na América *foi* algo que sofri, mas isso não é igual a lutas de identidade. E isto porque sempre me considerei coreana, não coreana-americana ou americana. Nos meus valores, na minha arte, na minha história pessoal e coletiva, no meu nome Juhea Kim, na minha aparência, sou coreana. (Os Estados Unidos deram-me muitas oportunidades, pelas quais sou grata, mas ninguém lá diz sobre mim: “ela parece americana”). O que é conveniente, porque agora estou vivendo em Londres; e não tenho qualquer confusão sobre se sou coreana-americana-britânica, me sinto única e completa, independente do lugar onde vivo. Como artista, ter uma base sólida me permitiu eu me sentir livre para perseguir a minha paixão interior ao invés de me preocupar com um alvo em constante movimento: “Será que isto vai agradar aos brancos americanos? Será que isso vai me ajudar a ser reconhecida pelos que detêm o poder?” E é o amor fervoroso dos leitores de todo o mundo (incluindo os sul-coreanos) que me dá ainda mais confiança para contrariar estas pressões que ainda governam as publicações americanas: escrever como um escritor americano branco, ou para um leitor americano branco. Para uma artista não branca, penso que isto é de fato uma bênção única.
SB: O seu ativismo está profundamente ligado à sua escrita — não só tematicamente, mas também materialmente, com as suas doações. Pode nos contar sobre como enxerga essa intersecção entre a arte e a defesa a longo prazo? Que impacto espera que os seus leitores tirem deste fato?
JK: Já mencionei anteriormente alguns sonhos ou indicadores de sucesso. Atualmente, meço o meu progresso como escritora pela quantidade de horas de trabalho que dedico à defesa de causas; e quanto mais essa porcentagem aumenta, mais sinto que me elevei. Por quê? Porque a arte é humanidade (para usar a expressão do crítico francês Jean Ricardou). Por isso, os artistas têm o dever sagrado de defender a humanidade e de nos tornar mais, e não menos, humanos. Antigamente, os artistas e intelectuais tinham um certo nível de responsabilidade social e moral. Acho que isso diminuiu muito em geral, porque quando estava começando e procurava um modelo de autor ativista, não encontrava ninguém. Não se tratava apenas de escrever um livro sobre o assunto, publicar no Instagram ou fazer um circuito de palestras, mas de alguém que se esforçasse seriamente e fizesse algum sacrifício pessoal. Fiquei muito desiludida com o fato de os autores que usam os refugiados, a nossa destruição ecológica ou qualquer outra crise como material para a sua ficção e não-ficção, não fazerem realmente algo nas suas vidas pessoais para ajudar. Uma vez assisti a uma dessas palestras de uma célebre jornalista ambiental e perguntei a ela: “O que gostaria que os seus leitores tirassem do seu livro para mudar o seu comportamento em relação às alterações climáticas?” E ela respondeu: “Como jornalista, o meu trabalho é apenas apresentar os fatos. O que os leitores fazem com eles não me diz respeito”. Geralmente, os romancistas não são muito melhores; para mim, estes autores estão simplesmente explorando o sofrimento como material. Por isso, sempre falo muito abertamente sobre meu ativismo, para que (sendo honesta com você) eu possa incentivar outros autores — com sorte, mais famosos e ricos — a também liderarem esse tipo de iniciativa. E outro efeito é, claro, apresentar aos meus leitores as causas que escolhi. Cada um dos meus livros é dedicado a uma causa específica: Como Tigres na Neve para a conservação dos tigres e leopardos, City of Night Birds para o desenvolvimento e ajuda à Somália e a próxima coleção para várias ONGs de base dirigidas por voluntários. Também passo muito tempo como embaixadora da boa vontade do Fundo Coreano de Conservação do Tigre-Leopardo, o que significa dar palestras, escrever artigos, dar entrevistas, angariar fundos junto de doadores abastados e ajudar a fazer a ligação entre países (Como Tigres na Neve foi lançado na Rússia e vai ser lançado na China, o que ajuda!) Sei que não posso resolver os problemas do mundo, por muito que tente, mas *sei* que posso dar uma contribuição significativa para uma questão específica, se me aplicar com zelo suficiente durante tempo suficiente. E espero sinceramente que pelo menos uma parte dos meus leitores se juntem a mim no apoio a qualquer causa, em qualquer canto do mundo, que lhes toque a alma.