por Denise Nobre
Na tarde do último domingo, 15 de junho, o Palco Apoteose Shell da Bienal do Livro Rio 2025 recebeu o escritor sul-coreano Kim Ho-Yeon para um bate-papo emocionante com o público brasileiro. Sob mediação de Bruna Giglio e Denise Nobre, ambas do podcast Sarangbang, a conversa fez parte da programação da curadoria de Thalita Rebouças, em um painel intitulado “Entre Prateleiras e Afetos”, que celebrou livros capazes de tocar o coração dos leitores.
Autor do sucesso mundial A Inconveniente Loja de Conveniência, Kim Ho-Yeon compartilhou os bastidores da criação de seus livros, revelando como histórias simples podem se transformar em verdadeiros pontos de acolhimento e cura para o leitor. Logo de início, o autor explicou que, quando escreveu seu romance mais conhecido, o termo “ficção de cura” ainda não fazia parte do vocabulário literário na Coreia. No entanto, olhando em retrospecto, reconhece que seus três últimos romances possuem características que se encaixam perfeitamente nessa nova categoria, com tramas que oferecem conforto e esperança em meio ao caos cotidiano.
A inspiração para o cenário de sua obra mais famosa veio de um episódio curioso: uma visita a um amigo que havia acabado de abrir uma franquia de loja de conveniência. A aparência um tanto “bronca” do amigo e a preocupação de que os clientes se sentissem intimidados renderam ao autor o título que, mais tarde, daria vida à narrativa: A Inconveniente Loja de Conveniência. “Um escritor não pode ignorar um bom título”, brincou Kim, ao contar que começou a escrever o esboço do livro assim que chegou em casa e agradeceu à Bertrand Editora por ter mantido a ironia no título brasileiro, já que algumas edições de outros países optaram por mudá-lo.
Ao falar sobre Dok-go, o carismático protagonista da série, Kim revelou que o personagem não foi inspirado em alguém específico, mas que sua convivência na infância com o entorno da Estação de Seul – onde era comum ver pessoas em situação de rua – influenciou sua percepção sobre marginalização e invisibilidade social. “Naquela época, eu e meus amigos fazíamos brincadeiras que hoje me arrependo profundamente”, confessou. Segundo ele, tanto o homem em situação de rua quanto o atendente da loja representam figuras que passam despercebidas, mas carregam histórias potentes.

Outro tema que chamou a atenção foi a escolha dos produtos descritos no livro e a própria loja como uma espécie de personagem. Ao optar por uma franquia impopular, Kim quis mostrar que, assim como as pessoas, a loja também atravessa um processo de superação e valorização.
A influência da literatura brasileira também foi assunto no palco. Kim contou que Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, marcou sua infância e é leitura obrigatória nas escolas sul-coreanas desde as décadas de 1970 e 1980. Ele destacou o personagem Portuga como fundamental na trajetória de Zezé, por ser a figura que oferece escuta e afeto. O autor ainda mencionou sua admiração por Clarice Lispector – especialmente pelo conto O Ovo e a Galinha – e pelo suspense Dias Perfeitos, de Raphael Montes.
Kim aproveitou a ocasião para apresentar seu novo livro, Meu Dom Quixote Coreano, uma história sobre perseverança, injustiças cotidianas e viagens pela Coreia do Sul. Segundo ele, a obra é um convite para não desistirmos dos nossos sonhos, por mais difíceis que possam parecer.
Ao refletir sobre o papel da literatura em tempos de excesso de informação e esgotamento, Kim Ho-Yeon foi direto: “Vivemos num tempo de excesso, velocidade e exaustão. A literatura serve para desenvolver a imaginação. Ela oferece algo que filmes, séries ou vídeos no YouTube não podem substituir”. Ele destacou ainda que sua escolha por temas do cotidiano e uma linguagem simples é intencional — busca criar histórias acessíveis, que até mesmo leitores menos experientes possam ler com facilidade e prazer. Sua fala ajuda a entender o sucesso das ficções de cura, que atendem à necessidade por leituras acolhedoras, compatíveis com o ritmo acelerado da vida contemporânea.Com sua fala acessível, bem-humorada e cheia de afeto, Kim terminou o encontro com um recado especial aos leitores brasileiros: “Escrevo pensando no leitor. E, agora, sempre me lembrarei dos leitores do Brasil. Obrigado pelo carinho e amor. Espero encontrar vocês novamente.”
