por Denise Nobre
Nos dias 17 e 18 de junho de 2025, aconteceu o III Simpósio de Literatura Coreana da USP – “A hora e a vez da literatura coreana”, uma realização conjunta entre o Curso de Língua e Literatura Coreana da USP e o Centro Cultural Coreano no Brasil, com apoio do Instituto Coreano de Tradução Literária (LTI Korea). O evento foi realizado de forma híbrida — presencialmente no Centro Cultural Coreano e na USP, e com transmissão online — reunindo público acadêmico, leitores e entusiastas da literatura coreana.
Com uma programação rica em reflexões e trocas, o simpósio contou com duas mesas de autores coreanos, duas mesas-redondas com especialistas brasileiras e blocos de comunicação de alunos e pesquisadores em formação, reafirmando o espaço da literatura coreana no Brasil como campo de estudo, leitura e diálogo.
Dia 1 | Kim Ho-yeon e a força da ficção de cura
A manhã de terça-feira (17) teve como destaque a palestra presencial do autor e roteirista Kim Ho-Yeon, conhecido no Brasil pela duologia A Inconveniente Loja de Conveniência (Bertrand Brasil, 2023 e 2024). Recebido com entusiasmo, Kim compartilhou sua trajetória literária e criativa, desde os tempos de roteirista, passando pelo sucesso do romance Mangwon-dong Brothers, até o processo de escrita de sua obra mais recente: Meu Dom Quixote Coreano (Bertrand, 2025), um romance inspirado no clássico espanhol, finalizado em 2024 após cinco anos de trabalho.
Kim destacou os altos e baixos de sua carreira — o sucesso inesperado na estreia, os fracassos dos romances seguintes e a redescoberta do propósito na escrita com a série best-seller da loja de conveniência. “Estrear como autor aos 40 e alcançar o sucesso aos 48 me ensinou que se a gente escreve com o coração, sem desistir, uma hora a história chega aonde precisa chegar”, afirmou.
Na conversa com o público, o autor comentou o impacto de suas obras em países com desafios no acesso à leitura, como o Brasil: “Minha linguagem acessível permite que até leitores iniciantes se sintam acolhidos. Na Coreia, inclusive, meus livros são muito lidos por estudantes do ensino fundamental”. Ele também refletiu sobre o atual sucesso da chamada ficção de cura, revelando que muitas das dores retratadas em seus personagens surgiram de dilemas pessoais que ele mesmo enfrentava — como incertezas profissionais, instabilidades financeiras e conflitos familiares que marcaram fases desafiadoras da sua trajetória.
Ainda no primeiro dia, o Bloco de Comunicações trouxe perspectivas instigantes sobre o lugar da literatura e da cultura coreana na contemporaneidade. As falas abordaram desde o papel da cibercultura e os processos de consagração da literatura de cura no campo editorial brasileiro (Vitória Ferreira Doretto), passando pela leitura do cristianismo como filosofia de resistência coreana no romance Pachinko (Gabrielly Fernanda Spizamilio Silva), até reflexões sobre a desconstrução da imagem materna no K-drama Tudo bem não ser normal (Alanessa Nikole Carvalho da Silva).

Dia 2 | Pyun Hye-young, o grotesco cotidiano e a maternidade fragmentada
Na quarta-feira (18), a escritora Pyun Hye-young — ainda inédita no Brasil — participou virtualmente do evento, com uma palestra profunda sobre o conto Flauta Mágica, obra de forte teor simbólico e estético, inspirada livremente na lenda do flautista de Hamelin. A obra foi o objeto de estudo do último workshop de tradução literária do curso de Coreano da USP. Em sua fala, a autora revelou o desejo de explorar uma maternidade enfraquecida, com personagens marcados por abandono, autopunição e o grotesco da vida comum.
“Não acredito que instinto materno seja algo natural e universal. Muitas vezes, ele não acontece”, disse, sobre a personagem narradora, que finge que sua filha é sua irmã para escapar da responsabilidade. A autora comentou também o processo de revisão da obra para a edição de 2023, em que procurou esclarecer ambiguidades e corrigir imprecisões — entre elas o trecho do parto, deixando mais claro que a narradora é a mãe da criança.
A sessão se encerrou com um debate sobre o papel da estética do estranho e do desconfortável como linguagem crítica à sociedade, conduzido por professores e estudantes presentes. Pyun destacou sua admiração por autores como Oh Jung-hee, Han Kang, Shin Kyung-sook e Franz Kafka, e se mostrou entusiasmada com a possibilidade de vir ao Brasil futuramente.
O segundo dia contou também com uma mesa dedicada à autora Han Kang, recente ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura (2024). A professora Yun Jung Im, a tradutora Natália T. M. Okabayashi e a pesquisadora Sandrinalva Silva discutiram temas como loucura feminina, trauma coletivo e o desafio da tradução literária. A partir da obra A Vegetariana, refletiram sobre a potência da escrita de Han Kang para abordar violências invisíveis e formas radicais de resistência.
Em resumo, o III Simpósio de Literatura Coreana da USP reafirmou o espaço vital da literatura como forma de imaginar outras possibilidades de existência, curar feridas sociais e promover o intercâmbio entre culturas. Com autores premiados e discussões instigantes, o evento marcou mais um passo no fortalecimento do diálogo entre Brasil e Coreia por meio da palavra escrita.
A expectativa agora é que os encontros inspirem novas traduções, novas leituras — e quem sabe, uma visita de Pyun Hye-young ao Brasil em 2026.
