Saiba tudo que rolou no evento que reuniu atividades gratuitas em celebração da cultura coreana
por Danis Mizokami
No final de semana dos dias 16 e 17 de agosto, aconteceu o 18º Festival da Cultura Coreana! Ao longo de dois dias, o bairro do Bom Retiro, em São Paulo, foi inundado de atividades gratuitas em celebração à cultura coreana.
Na Praça Coronel Fernando Prestes (Praça Tiradentes), haviam mais de 30 barracas com comidas típicas coreanas, artesanato, caligrafia, hanbok (traje tradicional coreano) e muito mais. Dentre os destaques do palco armado no local, estão as apresentações do Coral Sejong — coral composto por alunos do Centro Cultural Coreano no Brasil (CCCB) —, do Gayagatos (grupo de música tradicional coreana com gayageum do CCCB) e do KCC Taekwondo Team (grupo de demonstração de taekwondo do CCCB).
Para encerrar os dois dias na praça, houve apresentação do grupo de k-pop YOUNITE como parte da K-Turnê 2025, uma iniciativa do CCCB em parceria com a Brand New Music e outros festivais/instituições nacionais e internacionais. O grupo agora segue para apresentações em Curitiba, Piracicaba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia e Brasília.
Feira Cultural “Bomre-dong, Munhwa-ro” e K-Sarau
Realizada no Edifício Oswald de Andrade, a Feira Cultural “Bomre-dong, Munhwa-ro” (“Bairro Bom Retiro, Rua da Cultura”, em português) ofereceu um espaço para que artistas, artesãos, pequenos empreendedores e criadores apresentassem seus trabalhos inspirados na cultura coreana.
Haviam diversos estandes com representações — desde o tradicional até o contemporâneo — de artes visuais, artesanato, literatura e moda coreana. O Sarangbang esteve presente na feira com velas artesanais, bottons, ecobags, marca-páginas e, é claro, livros.
Em outra área do local, também como parte da programação do Festival, aconteceu o K-Sarau, uma celebração da literatura coreana na qual foram lidos trechos de diversos livros em voz alta. Com organização do Grupo de Estudos Imin (Ing Lee, Bia Hong e Beth Paik) e apresentação de Beth Paik, Denise Nobre e Bruna Giglio (Sarangbang), a atração reuniu um grande público apaixonado por literatura, que leram seus livros e poesias favoritas, tanto em português quanto em coreano.











K-Debate: História Oral e Memória das Mulheres Migrantes Coreanas
Também no Edifício Oswald de Andrade, aconteceu a 2ª edição do K-Debate, que reuniu 14 convidados para a realização de palestras e bate-papos a respeito de diferentes aspectos da cultura coreana, como a arte, a história e a literatura.
A primeira mesa-redonda, no sábado (16), teve como tema “História Oral e Memória das Mulheres Migrantes Coreanas”, com mediação de Anna Park e participação de Beth Hong, Gislene Han e Jung Yun Chi. Ao longo de cerca de 1h30, o debate organizado pelo Grupo de Estudos Imin (Ing Lee, Bia Hong e Beth Paik) abordou as experiências e pesquisas de cada uma das convidadas a respeito do tema.
Logo de início, Jung Yun Chi, arquiteta urbanista e pesquisadora, abriu a discussão a partir de sua pesquisa sobre o enclave étnico formado pelos migrantes coreanos no Bom Retiro. Com um mapa do bairro paulista, explicou a transformação do local ao longo dos anos e como a cultura coreana foi se instalando na cidade.
Depois, foi a vez de Gislene Han, filha de Joung Ja Chang, autora do livro Sonho de Um Imigrante Coreano (Literíssima), contou como percorreu com sua mãe no resgate de antigas memórias da Coreia e do Brasil e o processo de tradução dessas histórias para o português. Também abordou um pouco dos bastidores do livro da mãe: “Minha mãe escreveu o livro à mão e em coreano. Meu sobrinho, então, colou as letras do alfabeto sul-coreano no teclado do computador para que ela pudesse digitar em português num primeiro momento”, contou.
Por fim, Beth Hong abordou o tema através de sua pesquisa sobre idosos coreanos na cidade de São Paulo. Ela contou um pouco do seu processo de entrevistas — para sua dissertação, Beth realizou cerca de 167 entrevistas, sendo 120 delas com mulheres — e sua abordagem da feminização da velhice.
K-Debate: Tradução da literatura coreana para o português no Brasil
A segunda apresentação do K-Debate, ainda no sábado (16), foi sobre Tradução da literatura coreana para o português no Brasil, com mediação de Luis Girão e participação de três das principais tradutoras de livros coreanos no Brasil: Yun Jung Im, Natália T. M. Okabayashi e Núbia Tropéia. As três discutiram suas trajetórias, os desafios da tradução, gêneros literários, vozes autorais e autores que desejam traduzir.
Natália T. M. Okabayashi abriu a palestra contando um pouco de sua história. Foi aluna da primeira turma da graduação em Língua e Literatura Coreana da USP. Atua como tradutora literária desde 2021, tendo traduzido as obras O Livro Branco e Sem Despedidas, ambas de Han Kang, pela Todavia. Já participou de projetos de tradução coletiva de contos tradicionais e literatura infantil, mas também trabalhou individualmente com light novels e romances.
Em sua abordagem, Natália ressaltou os principais desafios na tradução da língua, especialmente suas diferenças de vocabulário e nuances, demonstrando exemplos de tradução e explicando suas escolhas de abordagem em cada uma. Contou que sempre precisa definir os limites da estrangeirização (deixar a tradução mais próxima da cultura de partida, no caso a sul-coreana) e da domesticação (mais próximo da cultura de chegada, ou seja, a brasileira) e que essas escolhas demonstram como não existe uma “tradução neutra”.
Natália também falou um pouco da diferença de traduzir light novels, que possuem uma linguagem mais próxima do universo nerd e da cultura de RPG, e romances com escrita mais complexa, um público-alvo mais adulto e linguagem mais poética em alguns casos.
Já Núbia Tropéia, também formada como aluna da primeira turma da graduação em Língua e Literatura Coreana da USP, contou que atua como tradutora literária desde 2023. Já traduziu diversas obras de gêneros variados, como A loja de cartas de Seul, de Baek Seung-yeon; O impulso, de Won-pyung Sohn; e o segundo volume da duologia best-seller A inconveniente loja de conveniência, de Kim Ho-Yeon.
Núbia trouxe para a mesa uma discussão sobre ficção de cura, gênero literário que está em alta, principalmente dentre as obras sul-coreanas trazidas ao Brasil. O gênero explora narrativas confortantes e acolhedoras com foco no desenvolvimento pessoal e emocional dos personagens. Segundo os presentes no debate, porém, suas obras têm dominado a literatura coreana em nosso país de forma que as editoras não investem em outros gêneros, tornando o acervo literário da Coreia do Sul pouco diversificado no Brasil.
Por fim, Yun Jung Im fez um apanhado de sua longa carreira como tradutora no Brasil. Fundadora do curso de Língua e Literatura Coreana da Universidade de São Paulo, Yun contou como seus trabalhos na década de 90 eram mais focados em poesia, e que a prosa entrou na sua carreira mais para os anos 2000. A partir de 2010, começou a traduzir livros infantis e paradidáticos até ser convidada pela Pipoca & Nanquim para as graphic novels de Keum Suk Gendry-kim, entrando então para um novo meio literário.
Yun ainda contou bastidores de alguns de seus trabalhos, premiações e reconhecimentos que obteve ao longo da carreira e sua luta pelos direitos autorais de tradutores. Além disso, falou sobre uma interação com o cantor e compositor sul-coreano Lucid Fall, autor da canção “Dream of Becoming Water”, que inspirou Suzy Lee em Água, publicado recentemente no Brasil pela Editora Caixote. Yun auxiliou Lucid Fall em sua pronúncia de português para algumas canções de seu novo álbum, ainda não lançado.
K-Debate: Artistas birraciais: Por que minha arte é coreana e brasileira?
No domingo (17), a primeira mesa-redonda do K-Debate teve como tema “Artistas birraciais: Por que minha arte é coreana e brasileira?”, organizado por Ing Lee e o Grupo de Estudos Imin (Bia Hong e Beth Paik) e com participação de Raphaela Cho (mediadora), Beca Chang, Ing Lee e Monique Pak.
A partir da birracialidade, as artistas compartilharam como exploram sua identidade por meio de diferentes linguagens artísticas. Ceramista e artista autodidata, Beca Chang reflete sobre ancestralidade e abandono paterno em seus trabalhos. Ela contou que se considerava uma pessoa branca e tinha repulsa de tudo que envolvesse a Coreia, mas a partir da escultura deu início ao seu processo de conexão das duas culturas, trazendo para sua arte elementos de proteção coreanos, a fauna e a flora, e o feminismo asiático-brasileiro. Para o futuro, deseja fazer uma exposição solo.
A ilustradora e quadrinista Ing Lee contou como os coreanos mais velhos definem os birraciais de maneira extrapolada: são totalmente coreanos ou são tratados como pessoas que nada tem a ver com essa cultura. Ing contou que deseja explorar justamente o meio dessas duas ideias. A artista também falou sobre o provisoriamente intitulado João Pé-de-Feijão, quadrinho em que traz histórias reais sobre o universo particular de seu relacionamento com o irmão, João, que tem diagnóstico de autismo. A HQ será lançado pela VR Editora (ainda sem data) e revela pequenos detalhes da rotina de João ao lado de informações sobre as necessidades de uma pessoa autista, se afastando de uma visão capacitista acerca do tema. Ela também revelou que está pesquisando a história da imigração coreana para um novo projeto que deve misturar ficção e realidade.
Por fim, Monique Pak contou sobre como encontrou sua identidade através da tatuagem. Filha de famílias imigrantes (alemã e coreana), seus trabalhos e pinturas exploram temas como ancestralidade, natureza e folclore. Segundo ela, existe um preconceito e conservadorismo por parte dos jovens da comunidade coreana em relação às tatuagens, pois eles não querem um trabalho autoral e de pesquisa, mas tatuagens socialmente aceitas. Monique fez ilustrações para a capa de Filhos do Céu e da Ursa: a história da Coreia dos primórdios até o século XXI, de Emiliano Unzer, e contou ao Sarangbang que adoraria ser convidada para criar novas capas no futuro.
K-Debate: História da Coreia: De Joseon aos K-dramas
Encerrando a segunda edição do K-Debate no domingo (17), a mesa “História da Coreia: De Joseon aos K-Dramas” atravessou a dinastia Joseon até a invasão japonesa e depois o crescimento da Coreia do Sul, em meio ao Milagre do Rio Han, o painel trouxe a história da Coreia em fatos e sua reinterpretação pelos K-dramas históricos para o mundo.
A palestra teve participação de:
Mariana Pacheco – Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com foco em Cultura Pop, Mídias Digitais e Estudos Coreanos. Pesquisa e impulsiona cultura sul-coreana na área de comunicação e análise do consumo dos produtos da Hallyu.
Emiliano Unzer – Professor Titular de História da Ásia – Universidade Federal do Espírito Santo. Doutor em História Social (FFLCH-USP), Mestre em Política PósColonial (Universidade de Gales, Aberystwyth, Reino Unido) e Bacharel em Relações Internacionais (UnB). Autor de Filhos do Céu e da Ursa: a história da Coreia dos primórdios até o século XXI.
Hanna Kim – Professora da ESPM São Paulo desde 2005. Doutora, mestre e bacharel em Administração de Empresas pela FGV-EAESP. É Coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos (NENA) na ESPM.
O 18º Festival da Cultura Coreana foi uma realização da Associação Brasileira dos Coreanos (ABC) e organização conjunta da ABC & + SG. O evento contou ainda com apoio do CCCB (Centro Cultural Coreano no Brasil), Comitê de Desenvolvimento do Bom Retiro (Feira do Bom Retiro), KOWIN (Korean Women’s International Network) e da Prefeitura de São Paulo — esta última também como patrocinadora.