Autora conversou com o Sarangbang sobre seu livro “Sonho de Um Imigrante Coreano”
Entrevista: Bruna Giglio e Denise Nobre | Texto: Danis Mizokami
A coreana Joung Ja Chang tinha apenas 21 anos de idade quando deixou seu país para atravessar o oceano e vir parar no Brasil — mais especificamente em Vitória, Espírito Santo. Foi logo em seu desembarque que se sentiu acolhida pelos brasileiros e se encantou pelo nosso país. “Aqui era muito diferente da Coreia. Todo mundo tinha uma geladeira em casa. Televisão, cada casa tinha uma também. (…) E as ruas eram mais bonitas, mais avançadas. A Coreia naquela época era muito pobre e, por isso, muito atrasada”, disse em entrevista exclusiva ao Sarangbang em companhia de suas filhas, Mônica e Gislene Han.
Seu livro, Sonho de Um Imigrante Coreano, publicado pela Literíssima Editora, explora justamente as memórias que a autora tem dessa “época em que a Coreia parecia uma aldeia em comparação ao Brasil”, como o livro afirma em sua sinopse. A obra é uma coleção de lembranças e histórias de vida de dona Maria — nome pelo qual Joung nos atendeu durante a entrevista —, daquelas que toda avó conta para seus netos em rodas de conversa. Foi inclusive um de seus netos, Vitor Han, que mais incentivou o esboço de um registro dessas memórias, que nasceu durante a pandemia do COVID-19. “Eu não podia sair, eu era [uma frequentadora] muito assídua na aula de tai chi chuan. E, ficando em casa, eu estava desesperada. Eles (netos) ficavam falando ‘Halmoni, halmoni, você sempre quis fazer alguma coisa da nossa família e nós sempre quisemos saber como nós paramos aqui, como nascemos aqui. (…) Vamos escrever sobre sua vida e o que você fez de bom’. E aí topei, porque eu realmente estava precisando fazer alguma coisa. (…) Eu já tinha rascunhos de algumas coisas que anotei ao longo do tempo. Peguei o que já havia de rascunho e começamos a escrever.”
O projeto do livro tem base familiar. Os filhos e netos foram essenciais durante o processo de escrita. “Ela escreveu tudo a mão e depois precisou digitalizar. Então, Vitor e meu marido fizeram um teclado onde ela conseguisse escrever em coreano”, contou a filha de Joung, Mônica, durante a entrevista. Depois, Vitor trabalhou com Gislene na tradução do coreano para o português. Joung Ja Chang afirmou que recorreu à sua língua materna durante a escrita, pois lhe permitia se expressar melhor, além do fato de o coreano ser o idioma no qual suas memórias estão registradas. “Se eu escrevesse em português, não teria livro”, contou. “O máximo que eu consigo é estar falando por uma hora igual aqui [na entrevista]”.
“Eu acredito que [o processo de escrita do livro] foi uma pesquisa muito boa”, continuou a filha Mônica. “Para a família, porque tinha muitas coisas que minha mãe contava aos pouquinhos, algumas nos lembramos, mas outras nem sabíamos. É muito importante para todo mundo escrever a história dos pais, dos avós, porque faz parte da história de todo mundo e relembrar tudo é meio terapêutico. (…) Todos nós ficamos muito felizes com o resultado, não só para a família, mas para divulgar isso para todo mundo também. Porque as pessoas se identificam com as histórias, principalmente outros imigrantes, não só coreanos, mas também da Ucrânia, meus amigos italianos, todo mundo vivenciou essas dificuldades.”
Gislene, que atuou praticamente como uma editora durante o processo de pesquisa/escrita com a mãe, além da tradução, também comentou sua experiência com o livro e a importância dele para a família. “Foi entrar em contato com o ‘de onde viemos?’, mas não no sentido histórico ou geográfico-cultural, mas como pessoas. As histórias que minha mãe conta da nossa família explicam muito as características de cada um. O que permeia a nossa vida não veio diretamente só do meu pai e da minha mãe, mas existe todo um legado da família que ela foi contando e nós fomos reconhecendo. Características que foram passando de geração em geração e agora vemos nos netos. Uma nova chance de se aprimorar, de melhorar, de estar sempre buscando mais. Como o Vitor que tem uma veia artística, que vem de todo um lado materno, desde a minha avó, minha mãe, que foi sendo repassado pela família. E hoje a gente olha para a nova geração e enxerga as anteriores, as características não vieram do nada”, contou. “E entendemos como as gerações anteriores foram investindo nos seus sonhos. O sonho do estudo, o sonho de viver num lugar melhor, de proporcionar uma vida financeiramente diferente e com menos sacrifícios, e o sonho de ter sua expressão artística finalmente realizada. Você vê que os sonhos não são de uma única geração, são sonhos geracionais mesmo. E eles se alimentam da seiva daqueles que vieram antes e vão dar sementes e frutos para o futuro também.”


Japão e a chegada ao Brasil
“Nessa época, eu não gostava muito de japoneses. Por conta dos 30 anos de dominação [na Coreia], eu os odiava. Quando chegamos, ainda desembarcando, as pessoas achavam que éramos japoneses”, contou Joung, relembrando sua chegada ao Brasil. “Naquela época, não conheciam a Coreia. Era tudo japonês ou chinês.”
Apesar da ignorância dos brasileiros sobre sua verdadeira origem, Joung se sentiu acolhida pelas pessoas. Segundo ela, a boa imagem que os japoneses tinham no Brasil tornou a adaptação ao novo país um pouco mais fácil de lidar. Mesmo com as diferenças culturais, essa receptividade ajudou Joung a se adaptar mais rapidamente à sua nova realidade.
Sobre as diferenças, aliás, Joung reforçou o aspecto econômico como o fator que mais a impactou. Até mesmo durante a viagem no navio, ela disse se surpreender com algumas coisas. “O chuveiro do navio, eu me encantei. Nunca tinha tomado banho de chuveiro, apenas de balde… Era o que tinha”, contou. A autora também se encantou pela beleza dos brasileiros, principalmente as mulheres: “As mulheres brasileiras eram tão lindas, fiquei encantada! Eu até pensava ‘Nossa, nós coreanas somos muito feias!’”, disse ela, rindo.
“Acho que, se tratando de família, o povo brasileiro é muito parecido, mas o coreano trata melhor quem é mais velho”, continuou Joung. Além disso, com o avanço econômico e tecnológico da Coreia do Sul, ela afirmou ter percebido algumas deficiências do nosso país. “Eu acho que em [qualidade de] educação e saúde, falta muito ao Brasil”, afirmou.
Com o passar dos anos, Joung nunca sequer visitou a Coreia. “Teve uma cunhada que não veio ao Brasil. Toda família veio, só ela ficou lá. E ela me contava no telefone ‘Nossa, cunhada, você tem que vir aqui. Mudou completamente, está tão diferente.’ Minha filha Mônica foi para lá uma vez para fazer tai chi chuan e, quando voltou, disse que era maravilhoso e que queria morar na Coreia”, contou ela. Mas, quando questionada se ela mesma voltaria à Coreia, Joung foi direta: “Para morar, não! Eu amo o Brasil”.

Fé
“Um ponto decisivo na escolha pelo Brasil foi a fé”, como consta a frase que abre o capítulo do livro dedicado a falar sobre o papel do catolicismo na família de Joung. O Brasil é o país com o maior número de católicos no mundo, segundo dados do Vaticano. Atualmente, estimam-se cerca de 182 milhões de católicos no país, o que representa 13% do total de seguidores da Igreja no mundo. Joung é uma dessas seguidoras, e a fé ajudou-a durante o processo de escrita, é claro.
“Eu rezava muito a Deus para que me iluminasse e me ajudasse a lembrar das coisas e a escrever”, disse. “Um dia, fui na igreja que frequento conversar com o padre. Enquanto eu confessava, ainda usando máscara por conta do COVID, falei ‘Preciso que Deus me ajude a escrever um livro. Eu já comecei a escrever um pouco, mas preciso saber como escrever mais’. E ele respondeu: ‘Nada de mentiras, basta focar na sua vida, com seus filhos, seu esposo e agora seus netos. O que teve na sua vida? Escreva tudo sem mentiras, sem colocar coisas a mais.’”
A autora afirmou que não inventou fatos, mas inicialmente se rendeu à tentação de enfeitar o texto com detalhes e pequenos exageros. “Não eram mentiras nem enganações, mas foram aumentadas coisas”, contou. Após a conversa com o padre, porém, seguiu por uma linha mais direta e simples. “E aí fui escrevendo tudo, tudo — mais até do que um livro. Mas tudo o que acontece no livro é verdade.”
Como mensagem final do livro, Joung deseja transmitir ao leitor a importância de cultivar valores sólidos que atravessam gerações. Para ela, é muito presente em sua obra a ideia de se trabalhar honestamente e o respeito à família como bases para uma vida saudável e equilibrada. “E tudo com muita fé!”, finaliza.
Ficha Técnica
Sonho de Um Imigrante Coreano
Escrito por: Joung Ja Chang
Traduzido por: Gislene Han, Vitor Han Bueno Silva
Editora: Literíssima Editora
Ano de publicação: 2024
Idioma: Português
Número de páginas: 282 páginas
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